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Kaio

 

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29 novembro 2006

Sartre, ó Sartre... o mundo não é mais o mesmo

Terminei de ler "A Idade da Razão", segundo livro de Jean-Paul Sartre (1905-1980) que eu li, já que o primeiro foi "Esboço para uma teoria das emoções".
A conclusão à qual chego é que o existencialismo, com toda a sua melancolia e pessimismo, reflete perfeitamente a primeira metade do século 20, recheada de guerras e analisada, em retrospectiva, como a época na qual a Modernidade entrou em crise.
Cada personagem, dotado de grande densidade psicológica, representa como se sentiam os jovens e adultos daquele período; eles lutaram por um padrão de vida que acabou virando mainstream e se consolidou nas últimas décadas, mas de uma maneira completamente desvirtuada.
O engajamento político, a contestação, a pederastia, os relacionamentos passageiros, o amor e o sexo livres, enfim, tudo o que soava (e, de fato, era) underground nos anos 30, 40 e 50 é hoje a mais absoluta das hegemonias comportamentais.

A esquerda, indubitavelmente, modificou praticamente toda a cultura desde que teve sua consolidação e consagração, na década de 1960. O capitalismo, antes o maior inimigo dela, passou a ser o maior aliado. Se avermelhou, diria eu. As roupas, as músicas, os valores, as lutas, os sonhos e as pessoas mudaram.
A tal pós-modernidade é o símbolo dessa vitória dos "canhotos". O tripé 'sexo, drogas e rock and roll' foi aceito pela sociedade. Che Guevara estampa camisetas. Falar mal de Bush é cool. Ser da esquerda festiva é cult. Discursar contra a miséria e a desigualdade social é garantia de unanimidade. Bandas de rock esquerdistas e politizadas (U2, Coldplay, Green Day, System of a down, O Rappa, Rage against the machine...) fazem sucesso e são mais valorizadas que as politicamente céticas e conservadoras.

É hipocrisia negar que os vermelhos, direta e indiretamente, venceram essa guerra ideológica do século 20, e mudaram radicamente a humanidade nos últimos 40 anos. O capitalismo trabalha para seus ex-algozes.
Atualmente, quem é assumidamente de direita é marginalizado, virou um parnasiano prolixo, escondido em fóruns da internet e bibliotecas, com sua oratória e retórica sem nenhuma utilidade, afinal, ninguém mais acredita neles, pois o neoliberalismo virou palavra de ódio.
A imprensa "progressista" estigmatizou essa política econômica. Pessoas que não entendem porcaria nenhuma de economia, só ao ouvirem palavras como 'neoliberal', 'privatizar', 'Estado-mínimo' ou 'desregulação', já se acham no direito de omitir comentários simplistas, afinal, foram manipuladas pelos formadores de opinião a agirem assim.
Os socialistas e nostálgicos usaram o NL como seu novo inimigo, afinal, após a risível e previsível queda da URSS e do socialismo real, eles precisavam encontrar alguém para detestar (assim como Hollywood foi buscar nos ETs o mais novo inimigo do 'bravo povo americano'); suas bandeiras, panfletos e discursos demagógicos precisavam continuar. Eis o novo manifesto desses, hã, comunistas: "Odiemos o neoliberalismo! Ele é mau, muito mau! Ele sustenta o imperialismo estadunidense, a miséria, o desemprego e as elites reacionárias! O FMI e a ALCA querem escravizar o Brasil! Querem vender nosso patrimônio! Morte aos porcos capitalistas!"
Já os social democratas, espertinhos como sempre, resolveram reformular ao invés de criticar. É como se pensassem: "Discordamos dessas práticas sócio-econômicas, mas se queremos revitalizar nosso discurso e, ao mesmo tempo, sustentar essa nova belle époque do capitalismo, teremos que praticar o neoliberalismo. Em hipótese alguma devemos deixar a direita voltar para o poder, pois ela é perigosa. Ao contrário de nós, ela não tem sentimentos, e é cruel, cínica e calculista... uma ameaça pros nossos planos!" Resultado - na 2ª metade dos anos 90, centro-esquerdistas como Massimo D'Alema (ITA), Lionel Jospin (FRA), Bill Clinton (EUA), Tony Blair (ING) e Fernando Henrique Cardoso (BRA) lançaram a 'terceira via', como meio de serem ambíguos entre teoria e prática.

E a direita, o que restou a ela, em meio a essa hegemonia habilidosa e maquiavélica de seus adversários? Se apegar os bens materiais, oras. Forma-se uma geração de yuppies e consumistas. "Vendemos nossas almas e nossa integridade para sobreviver e buscar uma felicidade momentânea. Um dia tiraremos esses comedores de criancinha do poder!"
Os intelectuais direitistas viraram uma raça de do-contras mal humorados e egocêntricos. São espectros soturnos quie esperam voltar ao comando o mais rápido possível, mas tropeçam em suas utopias (existem coisas mais patéticas que o anarco-capitalismo e o federalismo?), ou então se vendem ao fácil e efêmero (neoconservadorismo).

Sartre, ó Sartre! Os burgueses que você tanto detestava são justamente os que difundem as suas idéias hoje. Os personagens de "A Idade da Razão", que eram uma 'minoria' no contexto do livro, hoje são a 'maioria', o padrão.
A Ivich de 1938 seria, em 2006, a equivalente das adolescentes que, de uma maneira peculiar, despertam a paixão de seus professores, e se passam por garotas auto-confiantes e seguras de si, mas no fundo são fracas e melancólicas, e precisam de álcool para esconderem suas dores.
O Boris de ontem é o jovem intelectualóide de hoje: franzino, manipulável, impressionável e cleptomaníaco.
Lola, a quarentona frustrada, quer voltar a se sentir jovem, e para isso se envolve com rapazes da metade da idade dela.
Brunet se encaixa perfeitamente em uma comparação com os adolescentes atuais. Ele renuncia à sua liberdade em troca de se adequar a algo, de entrar para uma tribo. Ele, como todos os que formam seus grupinhos, viram defensores cegos e sectários dos mesmo, e se orgulham de suas mentes fechadas. Brunet escolheu ser membro do Partido Comunista. Os teenagers do século XXI preferiram algo mais musical - o emocore, o indie, o metal, a trance...
Daniel é uma representação perfeita dos 'arcanjos' que existem até hoje: rico, bonito, esperto, galanteador, consegue tudo o quer (inclusive garotas), mas... são gays enrustidos, que se envergonham profundamente disso.
Marcelle manteve-se calada, reprimindo seus desejos e vontades, durante todo o seu namoro com Mathieu. A gravidez lhe trouxe angústias - ela, no fundo, não quer abortar nem ficar solteira por mais tempo, mas sim ser mãe e se casar, porém tem que posar de moderninha para agradar ao seu amado. Foi preciso aparecer, Daniel, o "handsome devil", em sua vida para que ela finalmente tivesse forças para abandonar seu companheiro. Chega de caras previsíveis, chatos e lúcidos. "Daniel, o que me diverte em você é que eu nunca sei pra onde vou. Com Mathieu, eu sempre sei, não há imprevistos."
Mathieu, o protagonista, como se percebe, é o homem que quer se encontrar no mundo. Tudo ao seu redor parece se voltar contra ele - a namorada, grávida; Boris, seu aluno e discípulo, às voltas com uma mulher com idade suficiente pra ser mãe dele; Ivich, irmã de Boris, está prestes a bombar e ter que voltar para sua cidade natal, justamente quando Mathieu descobre que a ama; Daniel engana-o e manipula-o; as dificuldades financeiras são evidentes.
Deveria ele fazer escolhas e renunciar à sua liberdade, ou evitar fazê-las e continuar frustrado e sem rumo?

A resposta vem da maneira mais estóica possível. Marcelle o larga para ficar com Daniel, que confessa a ele, em uma última conversa, que é pederasta e que se casará com ela por amizade e conveniência. Ivich é reprovada no teste da faculdade e resta a ela voltar para Laon e ter seu futuro comprometido e destruído. Boris está desencontrado, e, talvez, em busca de uma nova pessoa para influenciá-lo. E o dinheiro que Mathieu roubou de Lola para pagar um possível aborto de nada serviu diante da recusa de Marcelle e o fim do relacionamento deles, e foi devolvido à quarentona lesada.

Eis o homem. Ecce Homo. Solteiro, desiludido, desesperançoso, perdido, isolado. E ele mesmo que escolheu que as coisas fossem terminar assim. Livre de angústias e preocupações, resta a ele viver da razão, afinal, de fato, ele chegou à idade da razão.

 

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