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Kaio

 

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08 julho 2008

A Magia da Montanha

Creio que nem preciso dizer qual será o livro sobre o qual falaremos nesta última parte da trilogia, certo?

O MELHOR LIVRO QUE LI ANTES DOS 18: "A Montanha Mágica", Thomas Mann

Exatos dois meses depois que eu terminei de lê-la, esta obra finalmente será resenhada de maneira 'definitiva' por mim. Há alguns textos datados de Maio/08 e Janeiro/07 sobre o livro, mas pretendo encerrar o ciclo de comentários aqui e agora... ou não, afinal, pode ser que eu me esqueça de dissecar algum aspecto relevante. Porém, não se preocupem, pois, até o fim do ano, lerei outras obras de Mann (talvez "Morte em Veneza" e "Carlota em Weimar", as quais já tenho, ou futuras aquisições, como "Doutor Fausto" e "Os Buddenbrooks"), e aproveito para falar um pouco mais sobre este clássico.

Acima de tudo, "A Montanha Mágica" é um romance de formação (bildungsroman), ou pelo menos emula as principais características de tal estilo. Com isso quero dizer que a obra conta como se processou o crescimento e amadurecimento intelectual e emocional de seu protagonista, de seu nascimento até a sua morte. Aliás, a saga de Hans Castorp também é um retrato mais do que fiel da Europa às vésperas da I Guerra Mundial. Mann, em vários momentos e metáforas, demonstra a enfermidade que assolava a alma européia naqueles anos, e que inevitavelmente resultaria em um amargo conflito que se arrastou de 1914 a 45. Afinal, ainda acredito na tese de que a II Guerra é uma continuação da primeira, após um intervalo de vinte anos nos quais a intolerância, a melancolia, o desejo de vingança e a ameaça do retorno às armas não se dissiparam em momento algum.
Castorp não é tão medíocre quanto o narrador imagina. Pelo contrário, é justamente a sua mente aberta que o permite evoluir tanto nos dias, meses e anos que passou na montanha. Além do mais, ele foi objeto de disputa até mesmo por dois pensadores, Settembrini e Naphta. Mas, sobre eles falaremos mais tarde.
Ainda sobre o protagonista, sua paixão por Clawdia Chauchat não poderia passar em branco. É nela que se revela até onde ele pode ir por um desejo, acima de tudo, carnal, afinal ele não nega que sua atração pela 'russa distinta' deve muito à sensualidade que ela evoca. É inegável que ele não ficaria tanto tempo nos Alpes em Davos se não fosse por esta notável mulher, que foi capaz de fazê-lo esperar por tanto tempo pelo seu retorno. A conversa em francês entre os dois é um dos momentos mais tensos da obra, e encerra maravilhosamente a primeira metade da mesma.
Alguns críticos já compararam Hans Castorp com a República de Weimar, pelas idéias conflitantes que coexistem em sua mente. Ele é, de fato, algo como o equilíbrio, o ponto de convergência entre as mais opostas visões de mundo. Arriscar-me-ei (e sei que isso pode soar como a mais torpe estupidez) que ele é um símbolo da 'construção anfisista do ser humano': repleto de ambigüidades; enfermo e lúcido ao mesmo tempo. Está sempre disposto a aprender mais sobre a vida e sobre si mesmo, mas revela uma olhar sobre a realidade que não deve em nada àqueles que aparentam serem mais sábios e experimentados.
O episódio da avalanche é um dos que melhor revela o caráter do protagonista. O fluxo incessante - e aterrorizante - de pensamentos que lhe acomete naquela quase-tragédia impressiona o leitor, que mal consegue acreditar quando ele escapa são e salvo, de corpo e alma, daquele infortúnio.

Os coadjuvantes são quase todos interessantíssimos, mas limitemo-nos a falar sobre alguns deles:
Já se disse algo sobre Mme. Chauchat, mas, ainda que fosse dito mais, seria insuficiente para elucidar os mistérios que esta mulher emana. Deixo para que os próprios (outros) leitores tirem suas conclusões.
Hofrat Behrens, doutor e diretor do sanatório em Davos, é ciência, pura ciência. Pouco lhe importam as emoções e caprichos de seus pacientes, pois sua frieza não se abala com tais impulsos. Mesmo assim, marca sua presença em várias cenas decisivas.
E quem poderia se esquecer das palestras do Dr. Krokowski sobre amor, doença, tempo...? E os passeios diários? E as sessões espíritas com a garota de poderes mediúnicos que era sua protegida?
Joachim Ziemssen, o primo de Hans, acumula uma frustração enorme pelo fato de sua doença lhe impedir de voltar para a planície e a vida militar. Nem mesmo os, hã, seios opulentos de Marusja desviavam este rapaz de sua monomania. Após muito aturar, ele acaba dando uma de desertor, mesmo ainda não estando plenamente curado. O resultado, por triste que fosse, não poderia ter sido diferente: meses depois, ele é vencido pela enfermidade, e retorna para os Alpes para lá descansar antes de seu fim iminente. A sua morte é, sem dúvidas, um dos momentos do livro que mais me marcou.
Falando em óbito, outro que era aguardado, mas que nem por isso perdeu sua carga trágica, foi o de um dos personagens mais carismáticos deste romance: é de Mynheer Peeperkorn que estamos falando. Hans Castorp demora um pouco para aceitar a personalidade tão... expansiva e extrovertida deste camarada, mas logo vê nele a representação de uma filosofia de vida dionisíaca, hedonista. Assim como quase todos no sanatório, ele é irresistivelmente atraído pelo ébrio Peeperkorn. Seu suicídio, por incrível que pareça, foi verossímil depois de tudo o que ele fez durante sua curta e marcante passagem. Chauchat realmente sabia escolher seus amantes, hehe.

Por último, comentemos o maior embate intelectual entre caracteres da história recente da Literatura: Settembrini x Naphta. De um lado, um italiano, humanista, de aguçada percepção sobre a excêntrica atmosfera do sanatório (e, por que não?, do resto do mundo também), metódico, otimista, liberal, democrata e parnasiano. Do outro, um judeu que se tornou jesuíta, que encara a realidade da maneira mais ácida possível, livre-pensador, pessimista, simpático ao comunismo e outras ideologias totalitárias, um autêntico 'radical-conservador'.
Os debates entre estes dois homens são, certamente, um dos motivos que me fizeram colocar "A Montanha Mágica" como meu livro predileto. Todos os assuntos imagináveis são um pretexto para que ambos se coloquem em campos diametralmente opostos: religião, política, cultura, arte, guerra, morte... Se Castorp é Weimar, Settembrini é a voz do cânone ocidental pregando paz, harmonia, valores republicanos e liberalismo, enquanto Naphta encarna os radicalismos que ganhavam mais e mais terreno naquela época: nacionalistas, socialistas e anarquistas. Este é um mestre na persuasão sofística e adepto do mais cru realismo, enquanto aquele é impecável como estilista da língua, dotado de retórica aos moldes clássicos. Por mais tentador que seja, não podemos generalizar e colocar Settembrini na direita e Naphta na esquerda, pois o judeu-jesuíta é, simultaneamente, revolucionário e reacionário.
A exaltação de ambos em suas discussões colossais chega a tal ponto que a própria honra deles é decidida em um duelo. O italiano, usualmente tão pacifista, aceita o desafio de seu rival, e afirma a Hans que certas questões só podem ser resolvidas da maneira mais bárbara possível. Ele ainda dá um tiro para cima no duelo, demonstrando que não tinha a mínima intenção de matar Naphta; para meu choque (sério, quase chorei nessa cena), este atira em sua própria cabeça. A quatorze páginas do final do livro, em um capítulo em que imperaram a fúria e a discórdia, é hora de dar adeus a um personagem por demais intenso.
Não nego que me identifiquei muito como Settembrini, assim como considero que suas constantes tentativas de dissuadir Hans Castorp de pensamentos mórbidos sobre morte e doença são dignas de um pensador que ama tanto a humanidade e a liberdade que chega a estar preso, dominado por sua própria ideologia, enquanto seu adversário caminha livremente por todas as crenças (daí o fato de eu tê-lo chamado de livre-pensador, por mais que ele use seu dom para fins que se oponham a tudo o que se considera "livre").

Sobre o estilo da obra, entre tantas qualidades (narrativa repleta de fluxos de consciência, descrições minuciosas sobre assuntos como tuberculose, diálogos excepcionais, uma 3ª pessoa que não teme soar como 1ª quando quer encarnar certas idéias etc.), é interessante notar, por exemplo, como o autor trabalha o tempo cronológico com um caráter bem psicológico. Trocando em miúdos, é o próprio volume de experiências e novidades na estadia de Castorp na montanha que influencia a passagem temporal.
Seu primeiro dia no sanatório dura 100 páginas, enquanto seus últimos três, quatro anos por lá passam voando. Quando nos damos conta, a Grande Guerra estoura, e o protagonista sente-se no dever de lutar pela sua pátria no conflito. Após 7 anos em Berghof, naquilo que inicialmente seria apenas uma visita de 3 semanas ao primo doente, Hans Castorp dá adeus à Montanha Mágica, e caminha para a provável morte no campo de batalha.

"E o resto são escombros", como diria aquela canção da Legião Urbana cujo nome remete ao livro cuja resenha eu encerro por aqui. Boa noite.

 

Comentários:

 

 

Continua sendo até hoje o melhor livro que eu li e reli - em diferentes fases da vida!

Me deu vontade de ler de novo!

Sempre termino de ler este livro diferente do que comecei!


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