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Kaio

 

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23 novembro 2017

Diversão e arte para qualquer parte



No dia 23 de Novembro de 1987, os Titãs lançaram seu 4º álbum, Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas. Só pelo título e pela capa já é possível perceber o espírito iconoclasta e a reflexão sociopolítica que permeiam este trabalho titânico.

Liminha, um dos produtores de Cabeça Dinossauro, ganha a confiança da banda e contribui significativamente na concepção de Jesus, incentivando os Titãs a usar samplers (máquina de ritmo). Como resultado, a primeira metade do disco tem uma sonoridade que flerta com a eletrônica.
A dobradinha "Todo Mundo Quer Amor" e "Comida" é cantada por Arnaldo Antunes. Ambas têm caráter de manifesto, especialmente a segunda, que combina seus versos contundentes (não por acaso, é presença constante em protestos populares e livros escolares) com vocais de rap e bateria de precisão milimétrica: "A gente não quer só comida / A gente quer comida, diversão e arte (...) A gente não quer só dinheiro / A gente quer inteiro e não pela metade".
"O Inimigo" e "Infelizmente" são músicas conceituais, com sonoridade minimalista e versos crípticos. Funcionam bem na economia do álbum, mas não se destacam por si mesmas.
A lasciva "Corações e Mentes" possui uma estrofe que parafraseia o clássico "Damaged Goods" (Gang of Four) e um ritmo bem dançante, graças à ênfase tipicamente post-punk no baixo e na bateria.
"Diversão" é forte candidata a obra-prima dos Titãs. Seus versos, escritos por Sérgio Britto e cantados por Paulo Miklos, apresentam uma conotação hedonista e por vezes sombria: "A vida até parece uma festa / Em certas horas isso é o que nos resta (...) Às vezes qualquer um faz qualquer coisa / Por sexo, drogas e diversão / Tudo isso às vezes só aumenta / A angústia e a insatisfação". Esta faixa foi regravada com arranjos diferentes no Acústico MTV (com metais e um ritmo mais alegre) e nos discos ao vivo (mais curta - sem a repetição da letra após o 1º refrão - e roqueira), mas a versão original continua sendo a melhor.
Por sua vez, o Lado B do álbum dá continuidade ao punk politizado de Cabeça; as letras, contudo, se tornam menos tópicas e mais elaboradas.
A faixa-título, cujo único verso é repetido de forma cada vez mais raivosa, tem tons apocalípticos; destaque para a linha de baixo de Nando Reis.
"Mentiras", apesar do animado riff de guitarra, tem uma aura claustrofóbica: "Querem me salvar, querem me curar do que eu não sofro (...) Eu não posso viver comigo, eu não posso fugir de mim".
"Desordem" é um tocante retrato dos sombrios anos 80 no Brasil, mas infelizmente continua muito atual: "Não sei se existe mais justiça / Nem quando é pelas próprias mãos (...) São sempre os mesmos governantes / Os mesmos que lucraram antes".
"Lugar Nenhum" evoca um espírito anarquista em sua recusa a adotar qualquer identidade regional ou nacional. Com uma bateria furiosa à la "Rock and Roll" (Led Zeppelin), é uma das mais empolgantes do disco.
"Armas Pra Lutar" mantém a pegada da faixa anterior, e seu riff lembra "Your Phone's Off The Hook But You're Not", da banda punk californiana X.
"Nome Aos Bois" cita o nome de 34 personalidades ligadas a ditaduras, genocídios, guerras, assassinatos ou simplesmente a polêmicas e controvérsias.
"Violência" ficou de fora do LP (talvez porque Charles Gavin estava insatisfeito com a entrada da bateria, que ele pretendia que fosse mais elaborada), mas felizmente foi incluída como faixa final do CD. É uma das letras mais pesadas dos Titãs, especialmente na estrofe final, uma citação de Dissertação do Papa sobre o crime seguido de orgia, do Marquês de Sade (que voltaria a ser tema de uma canção da banda seis anos depois, em Titanomaquia).
No conjunto da obra titânica, Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas pode ser visto como transição estilística entre Cabeça Dinossauro e Õ Blésq Blom (que investirá ainda mais nas letras metalingüísticas e nos experimentos com eletrônica). Para o rock nacional, é um dos álbuns mais interessantes lançados em 87, ao lado de A Revolta dos Dândis (Engenheiros do Hawaii), Violeta de Outono (Violeta de Outono) e Vida Bandida (Lobão).

 

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